quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A REINDUSTRIALIZAÇÃO DA EUROPA: DO SONHO AO SONHO


Numa intervenção feita na abertura da Conferência sobre “Política Industrial Europeia: um renascimento industrial”, que decorreu recentemente em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso incitou os estados-membros a apostarem na reindustrialização, como estratégia de promoção do crescimento e do emprego e como pilar da sustentabilidade da retoma da economia europeia.
Questionado sobre a importância desta nova orientação política para a Europa e a importância da reindustrialização, Durão Barroso não hesitou: “É essencial fazê-la, de modo a ganhar competitividade“. Hoje em dia a condição global é cada vez mais intensa e é por isso que as reformas que estamos a promover na Europa são indispensáveis, que é para que a indústria europeia, nomeadamente a indústria de alguns países, que perdeu competitividade nos últimos anos devido a vários fatores, possa recuperar essa competitividade perdida e contribuir para a recuperação das nossas economias”, acrescentou o presidente da Comissão Europeia.
“A economia da Europa não pode sobreviver de forma sustentável sem uma base industrial forte e profundamente reformulada” e a “Europa é líder mundial em muitos setores estratégicos, como as indústrias automóvel, aeronáutica, espacial, farmacêutica, química e na engenharia”.
É, pois, “necessária uma visão global centrada no investimento e na inovação, mas também na mobilização de todos os instrumentos disponíveis para fomentar a competitividade das empresas europeias”.
O que o ilustre presidente não explica é como se pode “encaixar” esta retoma da indústria europeia no novo paradigma da energia que deriva da previsível autonomia energética dos Estados Unidos daqui a muito poucos anos. Enquanto os europeus continuam cegamente a curvar-se perante uma Alemanha que pretende impor o seu modelo energético baseado no subsídio a fontes renováveis (eólica e solar), os americanos inundam-se de gás natural de xisto cada vez mais barato. O “boom” verificado nos últimos dois anos na extração deste recurso energético atirou o preço do gás natural nos Estados Unidos para valores cerca de três vezes inferiores aos europeus.
Cheap natural gas lures E.U. to U.S. shores
Conclusão: parte da indústria a que Durão Barroso se refere, principalmente a de maior intensidade energética, está a mudar ou já se mudou para o outro lado do Atlântico! Entretanto, alguns países europeus, entre os quais a Polónia e a Espanha, já começam a desafiar os alemães. Recentemente surgiram estudos geológicos que confirmam a existência de notáveis reservas de gás de xisto nestes territórios contrariando os germânicos de continuam a afirmar não ser este o caminho a seguir. Porque não lhes convém.
A questão é simples: se a Europa assume que não quer correr o risco de permitir as polémicas técnicas de extração de gás de xisto em solo europeu, trata-se de uma decisão legítima e preventiva em defesa do ambiente. Mas não parece ser esse o verdadeiro motivo. Neste cenário, não valerá a pena falar em reindustrialização pois o preço da energia nunca o permitirá. Não deixa de ser curioso o facto de a Europa que invoca razões ambientais para não querer explorar o gás de xisto face às dúvidas que levantam as técnicas de extração, ser a mesma que está a importar quantidades exorbitantes de carvão dos Estados Unidos, muito mais poluente do que o gás natural e do qual os americanos já não precisam.
Assim sendo, o custo da energia, um dos pressupostos que determinou a desindustrialização do ocidente e a transferência desse poder para as economias asiáticas emergentes, baixou consideravelmente nos Estados Unidos, país que efetivamente assiste a uma retoma industrial graças à aposta no gás natural. Na Europa assiste-se a uma intrigante inércia e subserviência à vontade dos alemães que enquanto liderarem a política energética europeia manterão o custo da energia impeditivo de qualquer sonho de reindustrialização.

domingo, 24 de novembro de 2013

LIÇÕES DE UMA VIAGEM EM BALÃO


Bertrand Piccard é um psiquiatra e balonista suíço que em 1999 completou a primeira volta ao mundo em balão, sem escalas, acompanhado pelo inglês Brian Jones. A bordo do Breitling Orbiter 3, iniciaram o percurso na Suíça e voaram 45755 km até ao fim da sua viagem no Egito, 19 dias 21 horas e 47 minutos depois.
Durante a sua viagem, numa certa madrugada, Piccard tirou uma fotografia à janela do seu balão coberta com uma camada de gelo criada pela humidade da noite. Através da camada gelada podia ver-se o nascer do sol que, na visão metafórica do suíço representa o desconhecido. Piccard compara esta imagem ao que classifica como o grande problema das nossas sociedades: o medo de enfrentar o que nunca foi visto, o que não é óbvio para quem não se atreve a atravessar o gelo para ver o que está do outro lado. Bertrand Picaard descreve um pioneiro ou empreendedor não como alguém que tem ideias novas mas sim aquele que se liberta de hábitos, certezas, convicções, pontos de exclamação, preconceitos, paradigmas e dogmas, permitindo-se atravessar o gelo abrindo múltiplas linhas direcionais na sua vida. E isto pode aplicar-se à política, às finanças, à educação, ao ambiente. Piccard acredita que o mundo pode ser melhor se a política se libertar das trincheiras da esquerda e da direita porque assim nos libertamos desses dogmas, que podemos fazer muito mais pelo ambiente se afastarmos o “fundamentalismo verde” que alguns têm demonstrado no passado, que podemos melhorar o nosso espiritualismo se nos libertarmos de preconceitos religiosos.
Quando se viaja num balão por vezes torna-se difícil perceber a que altitude se pode voar, desconhecem-se as direções das camadas vento. Por isso é fundamental o apoio dos “homens do tempo”, como descreve Piccard. E conta-nos um episódio desta viajem de circum-navegação. Certo dia o seu “homem do tempo” mandou-os voar muito baixo e muito devagar. Ao refazer os seus cálculos com Jones, concluíram que não chegariam ao seu destino àquela velocidade. Resolveram voar, então, mais alto e a maior velocidade comunicando essa decisão ao seu meteorologista que de imediato lhes ordenou que descessem rapidamente de altitude para voarem mais lentamente. Piccard negou-se a fazê-lo afirmando que não tinham gás suficiente para voar tão baixo e tão devagar. O meteorologista afirmou que com as baixas pressões que tinham à sua esquerda, dali a duas horas mudariam de trajetória e acabariam no Pólo Norte! E questionou Piccard sobre se ele preferia voar rápido na direção errada ou voar mais devagar na direção certa. Foi então que decidiram descer de altitude e alterar completamente a estratégia de voo mesmo sabendo que o sensor de combustível os ameaçava quando atravessaram o Pacífico. Nesta altura perceberam que não havia volta possível. E o medo, a crise, instalou-se nos seus pensamentos. Alguns dias depois aterraram no destino final apenas com 40 dos 3700 kg de gás propano com que iniciaram o percurso.
A experiência narrada por Piccard e Jones a bordo do seu balão traz-nos várias lições. Uma delas é, inequivocamente, que a mudança está ao alcance de qualquer um, saibamos nós interpretar e aceitar os sinais e alertas à nossa volta.
Na política, na religião, na economia, na educação, na energia, em todos os setores que possamos imaginar e até mesmo nas nossas vidas individuais, a mensagem destes dois aventureiros parece clara e evidente.
Não vale a pena insistir em políticas, modelos, métodos, teorias, experiência ou receitas, quando todos os sinais indicam o descalabro, a insustentabilidade e a miséria. 
Decisores dos mais variados quadrantes da sociedade devem saber quebrar o gelo e vislumbrar o que está do outro lado. Sem medo do desconhecido e do não óbvio. Abrir novas linhas de pensamento e saber ler os sinais que os rodeiam, afastando dogmas e preconceitos, interesses e compadrios como quem larga lastro numa viagem de balão. Assim se vencem crises. Assim se atingem objetivos. Assim se consegue a sustentabilidade em qualquer domínio. Assim se revelam os verdadeiros pioneiros e empreendedores. Assim se salvam nações.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

MAIS DO MESMO. ATÉ QUANDO?

Como é habitual e cumprindo a legislação em vigor, a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos – apresentou no passado dia quinze, o mesmo dia da entrega do Orçamento do Estado (o do nosso descontentamento) para 2014, a proposta de tarifas e preços para a energia elétrica a vigorar no próximo ano. O ano de 2014 será o segundo ano de plena vigência do mercado liberalizado de eletricidade, no sentido das tarifas reguladas remanescentes serem já exclusivamente de natureza transitória. O mercado elétrico liberalizado atingiu em agosto de 2013 quase 2 milhões de clientes e representa já 69,1% do consumo total em Portugal, tendo as tarifas transitórias cada vez menor expressão no setor. Quem permanece e permanecerá no mercado regulado, não se aplicando este regime transitório, são os cerca de 120.000 consumidores açorianos não abrangidos pelo mercado concorrencial liberalizado do continente. É simples perceber porquê: a EDA detém o monopólio da comercialização de energia elétrica na região e não se adivinha a entrada no mercado de outros operadores em regime de concorrência. Não é um mercado atrativo e muito menos sustentável.
A proposta de tarifas por agora apresentada impacta diretamente nos consumidores açorianos e estabelece um aumento de 2,8% ao qual deveremos adicionar o aumento do IVA por redução do diferencial fiscal imposto pela Lei das Finanças Regionais.
Dos vários fatores que pressionam em alta as tarifas da eletricidade, destaco dois: a redução do consumo e o aumento excecional da chamada produção em regime especial que como é do domínio público tem beneficiado de um conjunto de incentivos económicos que muito tem contribuído para o agravamento do défice tarifário, o qual estamos a pagar nas nossas faturas através das tarifas de acesso às redes. A energia produzida ao abrigo destes contratos garante aos produtores uma tarifa mais alta e a prioridade no escoamento da energia produzida, seja ela absorvida pelos consumidores ou não. Se considerarmos as condições meteorológicas excecionais (vento e chuva) que se verificaram em Portugal no primeiro semestre de 2013 e que motivaram um aumento de 30% da produção em regime especial e se, do outro lado, considerarmos a redução do consumo, facilmente se compreende como um menor consumo pode originar uma pressão sobre as tarifas no sentido do seu aumento. Ou seja, a energia produzida e paga ao consumidor com uma tarifa mais elevada entrou toda na rede mas não foi consumida em Portugal. Foi “oferecida” aos nossos vizinhos espanhóis e ficamos nós a pagar a oferenda. Agora aqueles que criticaram o ex-Ministro das Finanças quando este afirmou que as condições climatéricas tinham impacto na economia devem, afinal, dar-lhe razão.
A produção em regime especial prevista para 2014 totaliza a módica quantia de 1800 milhões de Euros estando estimada uma amortização de apenas 355 milhões de Euros. Este fator continuará, assim, a “engordar” a dívida tarifária apesar de todas as medidas mitigadoras, na sua maioria políticas, que limitaram o aumento das tarifas para 2014 que, segundo o governo, seriam de 14% caso não tivessem sido tomadas. Essas medidas resumem-se a continuar a diluir no tempo a liquidação do défice tarifário com a agravante dos juros (155 milhões de Euros no próximo ano).
Paralelamente, o Orçamento do Estado para o próximo ano prevê a aplicação da CESE – contribuição extraordinária do setor energético, no valor de 150 milhões de Euros sendo que 50 milhões se destinarão a abater diretamente o défice tarifário e (ainda) as medidas de eficiência energética(?). Uma autêntica ninharia face aos mais de 4000 milhões de euros da dívida do tarifário. Mas como, tal como para quem tem fome, um naco de pão é refeição de rei, para ao nosso governo qualquer milhãozinho é um banquete. Na verdade, o estado não pode, apesar de o fazer descaradamente, garantir que esta taxa não será refletida nas tarifas, até porque uma parte significativa do mercado já está liberalizado. É apenas mais do mesmo. Até quando?

terça-feira, 10 de setembro de 2013

SÍRIA: A CONFUSÃO QUÍMICA E O JOGO DO PETRÓLEO

No dia 21 de agosto último, mais de um milhar de pessoas foram mortas na sequência de um alegado ataque com armas químicas em Ghouta, arredores de Damasco, a capital da Síria. Esta chacina que deixou o mundo em suspenso, levou os Estados Unidos, Inglaterra, Israel e França a levantar o espectro de uma intervenção militar concertada contra as forças de Bashar al Assad, segundo eles o ordenante do ataque. Este é um dos últimos episódios de um conflito que já assume características genocidas. O número de mortos ultrapassa as 100.000 pessoas, a grande maioria dos quais foram assassinados pelas tropas de Assad. Estima-se que 4,5 milhões de pessoas foram deslocadas das suas casas. Observadores internacionais confirmam a cumplicidade de Assad na preponderância destes crimes de guerra contra o povo sírio. A ilegitimidade deste regime e a legitimidade da revolta contra ele é clara e inequívoca.
Enquanto os EUA e Israel têm tomado a iniciativa de reafirmar sólidas evidências de que o último ataque foi claramente perpetrado pelo regime de Assad, algumas questões abrem um leque de incertezas sobre a origem da chacina. Permanece, agora, a dúvida se o ataque – que parece irrefutavelmente químico – foi efetivamente ordenado pelo regime que lidera a Síria ou se terá sido promovido pelos rebeldes com “cumplicidades externas”.
Esta questão das armas químicas faz recordar a intervenção militar no Iraque em 2003, quando os Estados Unidos depuseram o regime de Saddam Hussein com o apoio da Inglaterra e contra a vontade das Nações Unidas. A justificação da operação baseou-se na ameaça das famosas armas de destruição maciça iraquianas, as tais que nunca foram encontradas como já era esperado. Nem químicas, nem biológicas, nem nucleares. Nada foi encontrado em solo iraquiano. Os reais motivos foram outros, indisfarçáveis aos olhos do mundo.
A ligação entre a segunda guerra do Golfo e o conflito sírio parece evidente e tem um único denominador comum chamado petróleo. É mais do que conhecida a sensibilidade geopolítica desta fonte energética e a capacidade humana de a usar como arma de controlo dos mercados internacionais. Esta sim é uma arma devastadora. A questão que parece cada vez mais perturbante e evidente é: até que ponto chegam ou chegarão as nações, nomeadamente as ocidentais, no jogo geopolítico do petróleo? Será aceitável admitir que são capazes de “jogar” com a instabilidade política destes países originando flutuações positivas nos preços do petróleo potenciando negócios de valor incalculável aos especuladores da alta finança (a maioria deles americanos e ingleses)? E ao dizer-se “jogar” será admissível aceitar pacificamente que os “peões” são os milhares de inocentes seres humanos que perdem a sua vida sempre que alguém quer ganhar dinheiro? A simples suspeita de uma eminente intervenção militar na Síria fez disparar os preços do petróleo (WTI e BRENT, este último o que interessa a Portugal) em mais de 10% em dois ou três dias. A ameaça do alastramento de um conflito com raízes na Síria que afetaria a complexa teia petrolífera do Médio Oriente, com a possibilidade sempre presente nestes conflitos de bloqueio do Estreito de Ormuz por onde passa 20% do petróleo consumido em todo o mundo, lançou o pânico nos mercados energéticos.
Depois de terem comprado os futuros do petróleo provocando a queda dos preços com engenhosas manipulações económicas, é chegada a hora dos especuladores entrarem em ação vendendo caro o que compraram barato ao longo de meses, enchendo os seus cofres com dinheiro manchado de sangue inocente.

É este o “jogo” do petróleo com o espetro da cumplicidade das nações que manipulam tudo e todos. Até porque nem elas mandam. Manda quem tem o dinheiro!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

HIPOCRISIAS

O Parque Nacional Yasuní é uma extensão da floresta amazónica situado na região leste do Equador, na fronteira com o Perú. É uma zona selvagem com aproximadamente 9820km2 que alberga uma biodiversidade notável estando registadas cerca de 150 espécies de anfíbios, 121 de répteis e 598 de aves. Confirmadas estão, ainda, 169 espécies de mamíferos mas estima-se a existência de mais de 200. Quanto à diversidade da flora existente neste território, esta é ainda mais impressionante: 2113 espécies identificadas e cerca de 3100 estimadas. 
Estes números são significativos e conferem a esta região uma inquestionável importância ambiental que culminou com a sua classificação pela UNESCO, em 1989, como Reserva Mundial da Bioesfera. 
Mas não é só na superfície que reside a riqueza desta região equatoriana. Jazem no subsolo desta selva amazónica gigantescas reservas petrolíferas. O petróleo é a base da economia equatoriana, a mais próspera da América Latina (cresceu 4,82% em 2012), e a oitava da América do Sul. Apenas por curiosidade refira-se que a taxa de desemprego no Equador é de apenas 4,82% e a sua dívida externa representa 14,2% do PIB. Estes números reforçam bem a importância da energia e da dependência energética na economia: não se fazem omeletas sem ovos e quando não os há não vale a pena contrair dívida pois o resultado acabará por ser a fome.
No bloco ITT (as iniciais de Ishipingo-Tambococha-Tiputini), um dos mais importantes do mapa petrolífero do Equador, estima-se a existência de 846 milhões de barris de crude. Ora esta é especificamente uma zona protegida devido à existência de povos isolados, índios que vivem sem contacto com o resto da civilização. Recorde-se que o Equador é um dos pouquíssimos países do mundo que inclui na sua Constituição rigorosa legislação no domínio ambiental e da natureza.
Numa iniciativa inédita e aparentemente inusitada, o Equador pediu ao mundo que contribuísse com 3,6 mil milhões de dólares (mais ou menos 2,69 mil milhões de Euros) para ajudar o país a manter 20% das suas reservas de petróleo enterradas na Amazónia. Apesar de uma intensa campanha internacional, o Equador não conseguiu mais do que 13 milhões levando o Presidente, Rafael Correa, a pedir autorização ao Parlamento para abrir os lotes ITT do Parque Yasuní à exploração petrolífera. Correa anunciou a sua decisão num discurso na televisão e disse esperar conseguir 18 mil milhões de dólares com a exploração de petróleo nos lotes ITT. Esse dinheiro seria usado “para vencer a miséria, especialmente na Amazónia, que regista o maior índice de pobreza”, afirmou.
O que não se pode negar é que o valor proposto pelos equatorianos representa uma autêntica ninharia. Para que fiquemos com uma ideia este montante equivale a 2% da dívida externa portuguesa, atualmente a rondar os 140 mil milhões de Euros.
Numa época em que tanto se discute a preservação ambiental e da biodiversidade por todo o mundo, com instituições, programas, fundações e iniciativas a nascerem por todo o lado como cogumelos, não deveria a comunidade internacional ter apoiado esta proposta do governo equatoriano? Já não foram perdoadas dívidas de nações em montantes substancialmente superiores, muitas vezes utilizados em negócios obscuros, investimentos inconsequentes, de legalidade duvidosa e de caráter eminentemente doloso?
A recusa da comunidade internacional em contribuir para a preservação de uma das mais ricas e importantes regiões do planeta é apenas mais um sinal da enorme hipocrisia em que este mundo está mergulhado. E o Equador foi obrigado a abrir o bloco ITT à exploração provavelmente por muitos dos que empunham a bandeira da ecologia e do ambientalismo.
Citando William Shakespeare, “O diabo pode citar as Sagradas Escrituras quando isso lhe convém.”

terça-feira, 13 de agosto de 2013

"O SOLE MIO"

Não haverá provavelmente ninguém que não reconheça os acordes de “O Sole Mio”, a famosa canção italiana (napolitana) escrita por Eduardo di Capua e imortalizada por inúmeros cantores dos mais variados géneros musicais. Sendo verão, tempo de férias e de descanso bem merecido, é frequente lembrar-me da letra desta música e da sua harmoniosa melodia. O “sole” da canção personifica a luz, o brilho e o calor do “astro rei” e o seu papel central na vida de cada um de nós. A estrela que alimenta a vida no nosso planeta.
Se a energia é num sentido lato definida como o “sangue” do nosso planeta, o sol pode muito bem dizer-se, é o “coração” da terra. Tudo gira em torno do sol. Ora mais encoberto pelas teimosas nuvens que por estas latitudes abundam, ora mais atrevido com o seu brilhante e quente disco luminoso, o sol é, na realidade, a mais importante e abundante fonte energética de que a humanidade dispõe.
Na realidade e apesar de tudo o que se possa dizer, existem apenas três fontes primárias de energia: nuclear, geotérmica e solar (podemos considerar uma pequena exceção que é a energia das marés, alimentada pelas forças gravitacionais tanto do sol como da lua). A energia solar é a fonte original da biomassa, da energia eólica, dos combustíveis fósseis, e até mesmo da energia hidroelétrica. O sol cria gradientes de temperatura na superfície da Terra, que geram o vento. A fotossíntese da biomassa vegetal é produzida por fotões solares. É essa biomassa que ficou enterrada ao longo de milhões de anos e que contribuiu para a formação do petróleo que hoje se extrai do subsolo. As centrais hidroelétricas aproveitam a energia potencial da água. Mas a água tem de surgir de alguma forma. É o sol que cria a água no estado líquido através da evaporação, que é posteriormente libertada sob a forma de chuva.
Essas “fontes” de energia - eólica, biomassa e hídrica - acabam por não ser verdadeiramente fontes primárias de energia. São apenas maneiras diferentes de converter a energia solar noutra forma.
A dinâmica solar é também a fonte de inspiração dos cientistas que estudam a fusão nuclear. Este processo (não confundir com a fissão nuclear, o método convencional utilizado nas centrais nucleares) não é mais do que reproduzir em ambiente controlado o que se passa no astro rei: a fusão de átomos de hidrogénio num ambiente de elevadíssima amplitude térmica. Por isso se sabe, hoje, que o sol se consome a si próprio e que um dia se extinguirá, tal como o conhecemos hoje. Mas não se assuste pois ainda faltam uns bons milhares de milhões de anos. Entretanto, físicos de todo o mundo ambicionam dominar este processo e futuramente produzir eletricidade a partir do calor gerado pela fusão. Há quem acredite ser esta a fonte energética do futuro.
Se para si o sol é sinónimo apenas de férias, descanso e convívio, lembre-se que ele é o maior responsável pela eletricidade que chega à sua casa, pelo combustível que põe no seu carro, e se quiser, pelos alimentos que fornecem a energia química que o seu corpo transforma e que o faz viver. E talvez dê por si a trautear a famosa canção italiana nem que seja para atenuar a infelicidade por mais um dia de “capacete”, tão frequente por estas bandas como o magnífico verde destas nossas inigualáveis ilhas, que teima em esconder o sol que tanto aprecia numa boa tarde de praia.

Continuação de bom verão!

ECONOMIA DO MAR: O FUTURO DECIDE-SE JÁ.

Encontra-se em fase de análise e aprovação pela Organização das Nações Unidas (ONU) a proposta de Extensão da Plataforma Continental Portuguesa (PCP). Caso venha a ser aprovada, esta ampliação, Portugal passa a ter sob sua influência 350 milhas náuticas, equivalentes a uma zona económica exclusiva de 2,15 milhões Km2, o que lhe confere uma área de soberania de 4 milhões de Km2 (43 vezes o território terrestre do país). Atualmente, a zona económica exclusiva de Portugal é de 1,7 milhões de Km2, o que corresponde a cerca de 20 vezes o território terrestre do País, ao longo de 200 milhas (370 Km) além da costa.
Minerais, em especial cobalto – estima-se a existência de reservas nos fundos marinhos açorianos equivalentes a 25% do consumo mundial –, recursos energéticos, biodiversidade e o progresso científico são as grandes mais-valias decorrentes da extensão da PCP, apontadas por vários estudos que sustentam a candidatura portuguesa. 
Na possibilidade, mesmo que incerta, de ver esta proposta aprovada pela ONU, Portugal devia estar a preparar com devido cuidado o seu futuro pós-extensão. Ao invés, os papalvos do costume, os de cá e os de lá, apenas sabem reafirmar a importância do mar no futuro pós-crise, cujo fim não se vislumbra, mantendo os portugueses quase afogados neste marasmo de austeridade. A desculpa conjuntural do contexto económico desfavorável não serve para justificar a falta de visão que teima em moldar o pensamento dos nossos estrategas políticos.
Em resumo, com a extensão da sua soberania marítima, Portugal ficará com acesso a um manancial de riqueza submarina extraordinário. Neste volume incluem-se, certamente, recursos energéticos importantes que podem contribuir decisivamente para a limitação da dependência energética portuguesa, assim se saibam criar, desde já, condições para a sua exploração sustentada e sustentável. Refiro-me concretamente aos hidratos de metano. Este tipo de combustível fóssil diferente dos tradicionais, habitualmente conhecido por "gelo inflamável", é uma formação gélida na qual as moléculas de água "aprisionam" gás de metano devido às enormes pressões submarinas. A propósito desta promissora fonte energética veja-se o exemplo do Japão, que não obstante ser a terceira economia mundial, sofre de uma assinalável dependência energética do exterior. Neste país insular, uma equipa de cientistas conseguiu, em março, extrair de forma controlada gás de um depósito submarino de hidratos de metano. Desde que são conhecidas as reservas em águas nipónicas, a investigação e desenvolvimento neste domínio acelerou. Agora que parecem definitivamente provadas reservas para 100 anos de consumo energético do Japão, a investigação entra no domínio da segurança ambiental. O país desenvolve neste momento tecnologia que é capaz de extrair o gás natural (metano) sem destruir a estrutura de gelo, evitando, assim, fugas não controladas. Este pormenor é determinante pois o metano uma vez libertado para a atmosfera é muito mais nocivo do que o CO2. 
Não deixa de ser curioso que o ex-ministro da economia numa das suas últimas entrevistas relacionadas com questões energéticas, quando questionado sobre esta questão dos hidratos de metano e do seu potencial, pareceu desconhecer o tema ou simplesmente não lhe deu importância nenhuma mudando de assunto com a subtileza própria de quem não sabe ou não quer saber. Resta saber o que pensará deste tema o titular da nova pasta do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia (MAOTE) que nasceu da desagregação do super-ministério MAMAOT na sequência da remodelação governamental recente.
Este é um tema estrategicamente relacionado com a extensão da nossa plataforma continental e com a tão apregoada “economia do mar”. Temos excelentes e antigas relações com o Japão. Não seria de estabelecer, já, uma agenda de cooperação estratégica entre os dois países neste domínio?

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A FACA DE DOIS "LEGUMES"

O anúncio dos lucros obtidos pela elétrica regional EDA têm sido motivo de discussão pública, não tanto pelo montante – cerca de oito milhões de Euros – mas sobretudo pela decisão de distribuir estes dividendos pelos respetivos acionistas. Não discuto a legitimidade da decisão sobre o destino a dar a este dinheiro. Nem tão pouco opino sobre outras possíveis aplicações deste montante. Mas não quero deixar de registar e manifestar a minha apreensão sobre o que li, na imprensa regional e em alguma nacional, sobre a ideia peregrina de que este lucro da EDA deveria ser utilizado para reduzir as tarifas da energia elétrica que os açorianos pagam e não para serem distribuídos pelos acionistas da empresa. Devo alertar para o perigo desta opinião. Esta proposta a ser concretizada seria um autêntico tiro no pé. Ou como diria o antigo jogador e treinador de futebol Jaime Pacheco, uma faca de dois “legumes”.
O fornecimento de energia elétrica é um serviço público essencial devendo ser assegurado à generalidade dos consumidores nacionais em condições de igualdade. Para garantir a defesa do consumidor, são impostas obrigações de serviço público onde e quando, por si só, a concorrência não possa assegurar tal fim. Uma componente fundamental na prestação deste serviço público, o tarifário, não é independente do local de residência dos consumidores. Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira o custo inerente à disponibilização da energia elétrica é consideravelmente superior ao do continente donde resulta uma clara assimetria com consequente penalização para os cidadãos e agentes económicos residentes nestas regiões. Até 2002 a competência para fixação dos preços da eletricidade era dos Governos Regionais, tendo sido, em 2003, transferida para a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos – pelo Decreto-Lei nº 69/2002 de 25 de março, no âmbito do processo de convergência nacional do tarifário elétrico. Este novo modelo determinou que as competências da ERSE fossem estendidas aos respetivos territórios insulares passando as empresas de eletricidade dos Açores e da Madeira a estar sujeitas ao mesmo tipo de controlo e regulação que as congéneres do continente. O sobrecusto da insularidade passou a ser suportado no quadro do tarifário nacional, à semelhança do que sucede em outros países da União Europeia com especificidades geográficas e administrativas semelhantes e no pressuposto de igualdade e coesão subjacente a todo o processo. Resumidamente, açorianos e madeirenses pagam as mesmas tarifas dos continentais, em mercado regulado, sendo os custos de produção, eles próprios assimétricos entre as nossas nove ilhas, superiores ao preço de venda ao cliente final. Se na nossa região fossem fixados preços mais baixos para a energia elétrica do que os fixados pela ERSE seria o mesmo que dizer: não queremos o valor total da compensação que recebemos do continente e as contas da ERSE estão mal feitas! Note-se que a ERSE está obrigada pela lei, a garantir o equilíbrio económico-financeiro das empresas reguladas (EDA incluída) e calcula a respetiva compensação pela diferença entre o que considera os custos eficientes (inferiores aos reais) e a receita obtida pelas vendas aos preços por ela fixados, já com a preocupação da compensação ser a menor possível.
Neste quadro, seria conveniente deixar tudo como está uma vez que os benefícios para os açorianos são evidentes com o atual regime de regulação e convergência do tarifário em vigor. Caso este não existisse, as tarifas por nós pagas seriam o dobro, no mínimo.

Tal como em muitos outros domínios, no setor da energia também há facas de dois “legumes” e devemos ter condições para acreditar que quem com elas corta escolhe sempre o lado certo.

sábado, 13 de julho de 2013

UNIVERSIDADE DE AVEIRO ESTUDA O FUTURO SEM PILHAS

Todos estes projetos ainda são protótipos
Quem diria que, um dia, o coelho da Duracell poderia correr sem as pilhas que lhe dão o nome? Na cabeça da maioria das pessoas, a probabilidade não deve ser muita alta, mas a realidade é que esta possibilidade é muito mais verosímil do que parece. É para um futuro sem pilhas e fios que Nuno Borges Carvalho trabalha.
O investigador do Departamento de Electrónica, Telecomunicações e Informática da Universidade de Aveiro é o principal responsável por uma série de elementos que se encontram na dianteira do desenvolvimento de produtos que funcionem sem recurso a pilhas.
Entre os diferentes projetos atualmente a decorrer na Universidade de Aveiro, o professor destaca um soalho que alimenta os objetos que se encontram em cima dele ou um sistema para colocar sensor em rolhas de cortiça. Tudo para "retirar pilhas de todos os utensílios que existem em casa".
"No nosso grupo dedicamo-nos à produção de aparelhos que funcionem através de wireless power transmission. Vamos buscar energia ao ar ou a outros locais, com recurso a tecnologia de indução mútua ou utilizando uma antena receptora de energia", explica ao Expresso Nuno Borges Carvalho. 
Nuno Borges Carvalho realça que todos estes projetos ainda são só protótipos, e que ainda há que percorrer um longo caminho até estarem disponíveis comercialmente. Os que estão mais próximos são cientistas do MIT, nos EUA, que estão prestes lançar produtos do género no mercado, como televisões ou impressoras. 
Destes produtos, o projeto que até agora mais se destacou foi o do comando de televisão sem pilhas, da responsabilidade de Alírio Boaventura.
O estudante de nacionalidade cabo-verdiana, que se encontra a fazer doutoramento sob orientação científica de professor Nuno Borges de Carvalho, viu em março o seu trabalho distinguido pelo Institute of Electrical and Electronics Engineers.

Notícia do semanário EXPRESSO
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/universidade-de-aveiro-prepara-futuro-sem-pilhas=f819534#ixzz2Ywezsdtp

DEPRESSA E BEM...

…não há quem! Eis um ditado popular que se pode muito bem aplicar ao que se tem passado na política energética portuguesa e europeia. O novo mapa energético mundial sustentado pela revolução em curso nos Estados Unidos, está a despertar os europeus para uma realidade que lhes parecia pouco provável: o custo da energia americana caiu abruptamente enquanto no velho continente a tendência é oposta. A responsabilidade desta deriva tem um nome: gás de xisto (shale gas), uma fonte energética enclausurada em reservatórios subterrâneos atualmente acessíveis à custa do avanço da tecnologia, nomeadamente da famosa e polémica fraturação hidráulica (“fracking”). Para quem não conhece esta técnica, consiste na injeção de água misturada com areia e produtos químicos numa conduta (furo) previamente executado. Esta injeção, realizada a altas pressões, visa criar fraturas – daí a designação “fracking” – que permitem a libertação e posterior extração do gás aprisionado em rochas de xisto a profundidades consideráveis.

Como consequência da expansão e aperfeiçoamento desta tecnologia, os Estados Unidos viram o preço do seu gás natural tornar-se cerca de cinco vezes mais barato do que na Europa. Os europeus, lideradas por uma Alemanha decidida a acabar com a energia nuclear na sequência de Fukushima, prepotente e viciada em arrastar os restantes países da união para uma aposta em fontes renováveis altamente subsidiadas, têm-se mantido inertes nesta matéria numa estratégia de não azedar os “fígados” da Senhora Merkel. Esta política teve como consequência o aumento significativo do preço da energia elétrica na generalidade da Europa, inclusivamente na própria Alemanha. Aproximando-se eleições naquele país, a discussão em torno deste tema na campanha eleitoral germânica tem sido uma constante. Com a ameaça da independência energética dos Estados Unidos e com a escalada do preço da energia fruto das políticas europeias de inspiração germânica, a chanceler Merkel tem afirmado que após as eleições e num cenário de reeleição, irá baixar drasticamente os subsídios à energia renovável, tal como já estão a fazer outros países no limiar da insustentabilidade dos seus modelos energéticos.
Esta reviravolta na estratégia energética europeia deve-se, ainda, a dois novos factos: as enormes reservas de gás de xisto no centro da Europa (Polónia, Alemanha e Espanha) e os gigantescos reservatórios de petróleo e gás nos mares da Grécia e Chipre. Inicialmente resistente, por pressão dos grupos ambientalistas e dos interesses comerciais com a Rússia, a Alemanha sempre se opôs à exploração do gás de xisto na Europa. Mas face à competitividade industrial emergente dos Estados Unidos por via do baixo preço do gás explorado no seu território, a Alemanha pragmaticamente concluiu que terá de explorar as suas reservas de gás de xisto para reduzir o custo energético da atividade industrial, fundamental para a sua economia. Por isso, no espaço de meses, a Europa (leia-se, a Alemanha) muda de posição e reconsidera a utilização do “fracking” e exploração das suas reservas.
Estes últimos desenvolvimentos têm apenas uma conclusão: a Alemanha ignorou os sinais vindos do outro lado do Atlântico e na ansia de impor à Europa, a um ritmo quase vertiginoso, a sua indústria eólica e solar. O gás de xisto pode vir a ser um recurso importante no equilíbrio energético europeu e desempenhar um papel determinante no relançamento da sua debilitada economia. 
Há que estudar este assunto com cautela, analisando muito bem a relação custo-benefício do “fracking” e legislar em conformidade com as exigências ambientais. A integração das energias renováveis e o aproveitamento de recursos endógenos é fundamental na matriz energética de qualquer país ou região. No entanto, exige-se racionalidade, equidade e acima de tudo, sustentabilidade. Definitivamente, depressa e bem não há quem.